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terça-feira, 28 de setembro de 2010

Eu voto nulo!

Houve um tempo em que votar nulo era um voto de protesto. Significava recusar o teatro armado pela ditadura para referendar os candidatos considerados “positivos” à “segurança nacional”. Todo um aparato institucional fora construído para filtrar qualquer tipo de oposição, mantendo sob controle a arena política. Perante isto não participar era protestar. Hoje, no entanto, a situação supostamente é outra. A ponto de alguém que vote nulo ser facilmente contestado com a irritante e ingênua pergunta “mas você prefere se anular?”. Isto é indício de algo importante: as pessoas confiam no voto como manifestação máxima da participação política em uma democracia. Acreditam piamente que com o “voto pode decidir seu destino”.
Em que se sustenta esta identificação entre “voto” e “participação política”? Que conseqüências ela trás? Minha opinião é que a coligação no poder entre PT-PMDB é o maior símbolo do quão catastrófica esta identificação pode se tornar. O PMDB é uma máquina partidária, altamente regionalizada, sem nenhum tipo de unidade ideológica, mas com uma capacidade eleitoral assustadora (ganhar o PMDB é meio-caminho para o Planalto). É formado por políticos profissionais, sem nenhuma relação orgânica com algum setor social em específico, a não ser relações de financiamento. Os políticos do PMDB sabem onde está o dinheiro e sabem que interesses defender para mantê-lo jorrando no interior do partido.
Não faz tanto tempo assim o PT era apresentado como a antítese do PMDB. Era um partido com base social, com um debate interno rico e divergente, com ideologia política sempre definida ao redor de um programa de partido. Isto tudo é passado. O PT hoje é uma máquina burocrática tão ou mais “profissional” que a do PMDB. As áreas divergentes do partido foram progressivamente retiradas através do discurso da ala vencedora (a famigerada “Articulação”). Trata-se do mais estúpido e mentiroso discurso pelo qual um partido de esquerda já se enveredou, aquele do “precisamos ganhar a eleição”, pois “estando no poder, nosso jeito de governar é diferente”. Você nunca ouviu um petista dizer que o PT coloca em prática a agenda do PSDB melhor que o próprio PSDB?
A situação é simples, meus caros. O PT percebeu que para ganhar as eleições era preciso se render às estruturas partidárias e que para entrar nesse jogo era preciso abandonar vários tópicos da agenda partidária. Em outras palavras, era preciso “endireitar”. Aqueles que não concordassem que arrumassem outro partido. Neste caminho o partido deveria transformar sua imagem de “partido dos trabalhadores” em “partido do povo”. Como fazê-lo conciliando com as exigências dos novos parceiros? Bolsa-família, Fome Zero e Pro-Uni. Financiado com o aumento dos tributos sobre as classes médias, sem confrontar nunca, jamais, em hipótese alguma, os interesses do grande capital (ou alguém acha que o astronômico orçamento da campanha “Dilma-Lula” caiu do céu?). Com esta política social covarde e ineficaz, e valendo-se da política econômica de FHC pós-crise do Real, Lula atingiu índices de avaliação positiva “nunca dantes vistos” e deve fazer sua sucessora.
O destino “trágico” do PT deveria nos ensinar algo. Confrontado com a opção “participar do jogo eleitoral” ou “perseguir sua agenda política”, o partido escolheu a primeira opção e criou um “monstro”. Será que este jogo eleitoral permite participação democrática? Que instituições nossa democracia nos oferece como canais de participação política? Minha posição é que nossa situação é antidemocrática, quase ditatorial. Todos os canais nos foram vedados, sobrando-nos apenas... votar. Participar de um jogo eleitoral onde o que conta são duas variáveis: máquina partidária e estratégia publicitária. Nada está mais distante de um autêntica debate político que este circo eleitoral. Basta assistir à propaganda eleitoral gratuita. Com raras exceções (da extrema esquerda, totalmente desarticulada), não há debate ideológico, não há posicionamento real, apenas uma monótona repetição das mesmas palavras. Todos são a favor da segurança, educação, saúde e blá, blá, blá. Todos querem representar esta entidade abstrata, inexistente, este artefato de manipulação ideológica chamado “o povo”. Pois bem, neste cenário, a democracia representativa torna-se sinônimo de dominação e não participar do jogo eleitoral, mesmo sendo obrigado a votar, é novamente protestar.

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